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Red Lipstick Tastes Like Ocean

  • Rhuan Carlos
  • 29 de jul. de 2015
  • 10 min de leitura

Arte por: Rhuan Carlos

ATENÇÃO: EMBORA FICTÍCIA A HISTÓRIA A SEGUIR CONTÉM VIOLÊNCIA FÍSICA, MENTAL E PALAVRAS OBCENAS.

Era mais uma segunda-feira normal. Não normal como a de ‘uma pessoa qualquer’, era mais um dia de luta, medo e coragem, tudo misturado. Penteei meus cabelos, passei um batom vermelho, coloquei um vestido, um salto, peguei minha bolsa e saí. As noites de Maceió não eram mais frias como de costume, na verdade acho que meu corpo havia se acostumado. A brisa com cheiro de restos de esgoto da Praia da Avenida batia nas curvas do meu corpo e não seguravam, saiam correndo.

Um carro se aproximou. Hora de respirar fundo, arrumar os peitos no vestido e jogar o cabelo com aquele charme. Abaixaram o vidro. “Quanto que é completo?”. Eu já estava acostumada com aquilo, afinal, era só isso o que eles queriam... “Cento e cinquenta a hora, sem o motel”. Ele olhou para o meu decote farto, deu um sorriso malicioso e me mandou entrar no carro. Respirei fundo, mais uma vez, enquanto dava a volta no carro, olhei para o mar e entrei.

Nenhuma palavra foi dita no caminho, até eu notar a aliança no dedo dele. Também estava acostumada com isso, mas a aliança era tão brilhante que me fascinou. “Não é com isso que eu vou te pagar. Fiz cinco anos de casado e comprei um par novo de alianças, se eu perder a patroa corta meu pinto e fico igual a você”. Dei um sorrisinho sem graça, encolhi os ombros e me arrumei no assento. Mil anos se passariam e eu não me acostumaria com essas “piadinhas”. Machucava, sabe? Vocês podem não entender, mas eu nunca me senti como aquele menino das fotos da sala da minha mãe... Como “o meu Pedrinho”... Só de pensar nesse nome sentia repulsa. Não é quem eu era! Eu nunca me senti como eles queriam que eu me sentisse. Eu ainda tinha aquela coisa no meio das pernas... E eu me odiava por isso. A buzinada rápida do carro fez com que eu saísse do momento de reflexão sobre o que eu sou. O portão do motel se abriu, e o carro foi entrando. O cliente falou algumas coisas com a recepcionista, coisas essas que eu não havia entendido, ele pegou a chave do quarto e fomos estacionar. Não sei o que estava acontecendo comigo, mas eu não me sentia bem. Nos outros dias, com os outros clientes, eu me sentia diferente. O olhar dele fazia com que eu me sentisse desejada, mas não era como das outras vezes. Mas ele não procurava alguém para animar, e sim para dar prazer. E era esse o meu trabalho: dar prazer. Então engoli a melancolia, joguei o cabelo para o lado e pousei minhas mãos na perna dele. “Então, podemos ir?”. Sussurrei em seu ouvido. Automaticamente vi um volume crescer dentro do seu jeans apertado. As coisas pareciam estar voltando ao normal para mim. Como se um espírito tivesse me possuído eu deixei meus seios quase a mostra e saímos do carro. Os olhos dele estavam fixados em mim como se fossem os primeiros seios que ele tivesse visto na vida. E eu gostava disso. Entramos no quarto e fui direito ao banheiro enquanto ele se despia e deitava na cama. Meus lábios vermelhos tinham gosto de mar, mas estavam irresistíveis. Decidi não tocar na boca. Fiquei só de calcinha, peguei meu kit com preservativos, lubrificante, alguns artigos de sex shop, perfume e saí do quarto. Ele estava deitado, só de cueca e quando eu saí banheiro ele me comeu com os olhos. Perguntei por onde começaríamos e ele automaticamente se levantou da cama, me pegou pelo braço, me deitou, tirou minha calcinha e olhou para o membro, que estava ficando ereto. Ele abriu a boca e começou a fazer sexo oral. Mesmo não gostando daquilo entre minhas pernas, era ali onde ficava concentrado todo o prazer. Gemia baixinho enquanto ele olhava para o meu rosto se contorcendo de prazer. No ápice ele parou, me olhou, subiu em cima de mim. Encarou-me como se eu fosse uma presa prestes a ser atacada e me beijou vorazmente. “Agora você vai fazer de mim mulher”. Parei e fiquei estática por alguns segundos... Essa, com certeza, era a última coisa que eu esperava ouvir dele. Não que eu não estivesse acostumada a fazer isso, nem a ouvir estes termos, eu só não esperava isso vindo daquele homem com pose ‘de machão’. Mais uma vez saí do mundo dos pensamentos aleatórios e voltei à realidade daquele quarto caro de motel. Fiz o que ele pediu. Ouvi aquele homem gritar. Pedir mais. Gritar mais alto. E mais alto. E mais alto. E mais alto... E quando, finalmente, eu estava no ápice do clímax ele se deitou e disse, quase num sussurro “goza em cima de mim”. O pedido (ou seria a ordem?) foi tão firme, que o que eu fiz foi me jogar em cima dele, como se estivesse sendo comandada por sua voz, e gozei. Ele respirou fundo, olhou nos meus olhos, respirou fundo mais uma vez e me jogou na cama com brutalidade. Bufou como um touro raivoso. Sua respiração ficou ofegante, ele colocou as mãos na cabeça e começou a falar coisas num tom tão baixo que eu não conseguia ouvir. Parecia uma prece. “Algum problema, moço? Que...”. Antes mesmo que eu pudesse terminar a frase ele tampou os ouvidos com as mãos. Estava confusa, eu nunca havia presenciado uma cena como aquela. Era, no mínimo, assustadora. Ainda com as mãos no ouvido ele foi até o canto oposto da cama no qual eu ainda estava deitada, despida, e se abaixou. Depois de alguns segundos ele levantou com as roupas nas mãos e as vestia com pressa, ainda falando baixo coisas que eu não conseguia entender. Era como se ele fosse um adolescente, tivesse feito algo errado e os pais estivessem chegando. “Se vista, vamos! Vamos embora!”. Aquelas palavras me atingiram como se fossem balas de tão fortes que soaram. Imediatamente corri para o banheiro e me vesti, ainda sem acreditar naquilo tudo que estava presenciando. Não arrumei o cabelo e nem retoquei o batom, como fazia de costume. Apenas me vesti rapidamente, peguei minha bolsa, calcei meus sapatos e abri a porta do banheiro. Ele estava me esperando do outro lado. Ele estava me esperando com uma arma e me olhava com lágrimas nos olhos. Num surto involuntário comecei a tremer. Tremia como cachorro depois do banho. Meus lábios, que estavam vermelhos e com gosto de maresia, agora estavam brancos, sem sangue, e sem batom. Meu coração estava a mil por hora e tudo o que eu queria naquele momento era sair dali. “Vamos, ande rápido, direto pro carro. E se ousar gritar eu atiro em você aqui mesmo”. Minhas pernas tremiam, não conseguia me equilibrar no salto, minha bolsa de repente parecia estar pesando mil toneladas, mas ainda assim eu caminhava rápido. E ele seguia atrás de mim, com a arma nas minhas costas. Eu conseguia sentir o cano gelado apontado na minha espinha.

Ainda com a arma em minhas costas saímos do quarto. Ele secou as lágrimas dos olhos, respirou fundo e me empurrou com o cano da arma. Não sei doeu, ou se era uma reação do medo que estava percorrendo todo o meu corpo. Só sei que uma pontada me atingiu e me fez desacelerar o passo. Ele também desacelerou. Fomos em direção ao carro. Quem via de longe poderia até achar que éramos um casal, ou uma prostituta com o seu cliente... Se alguém visse de longe nunca imaginaria que eu estava com uma arma apontada. O homem abriu a porta para mim e antes que eu entrasse pudesse entrar no carro ele se aproximou do meu ouvido e sussurrou “fica aí, se fugir...”. E saiu. Minha cabeça estava uma confusão de pensamentos. Não conseguia fazer nada além de chorar. Chorava. Não sabia o que fazer. Nem lembrei que havia um celular na minha bolsa. Tentava respirar fundo e as lágrimas atrapalhavam no meio da tentativa. Ele voltou. As lágrimas ainda jorravam dos meus olhos como água jorra de uma fonte. Não sei quanto tempo havia passado, mas ao olhar para o lado vi que estava com cara de choro. Nenhuma palavra foi dita, assim como na chegada. O portão se abriu e nós saímos. Dava pra ver a silhueta da arma pela camisa. A prece baixa ainda continuava saindo de seus lábios. “Para onde estamos indo?”. Cortei o silêncio. A resposta foi o som do cantar dos pneus no asfalto. Eu conhecia aquele lugar, já havia estado ali antes... Uns dias antes de fazer uma viagem parar o Rio visitar minha mãe fui, pela primeira vez, ao aeroporto. Minhas amigas me mostraram onde era, como fazer o check-in e todo o processo... Nós estávamos naquela área, porém o silêncio e o escuro dominavam todo o local. Ele saiu do carro, deu a volta, abriu a porta, colocou o cano da arma na janela e falou fria e secamente: Saia do carro, seu ser imundo.

Eu realmente me sentia imunda naquele momento... Eu sabia que meu trabalho era satisfazer homens por uma noite, e só. Que eu era só um “objeto de prazer para homens casados brincarem enquanto suas esposas fazem o jantar”, como diria minha amiga. Eu saí do carro, ainda tropeçando nos meus sapatos de salto. Minha respiração estava baixa, era como se eu não estivesse respirando. Só se ouviam os grilos cantando, as cigarras gritando e o som do mato sendo pisado por nossos sapatos. “Ajoelha”. Eu ajoelhei, sem pensar duas vezes. O toque de meus joelhos com as pedras duras e frias foi um choque instantâneo. Era como se uma faca de serra rasgasse meu joelho aos poucos, vagarosamente... Ele estava tirando o cinto e abrindo o zíper. Olhei incrédula para seu rosto e vi lágrimas escorrendo de seus olhos. Ele colocou o pênis para fora. E como se cuspisse as palavras ele soltou um “Chupa” entre dentes. Respirei fundo e obedeci. Enquanto eu fazia o que ele havia me mandado eu o ouvia repetir as preces e entre uma frase e outra deixava um gemido abafado escapar. Não parei, continuei. Mesmo com vontade de chorar, com nojo dele, com medo, com nojo de mim, com nojo da vida, continuei. Quando ele estava no ápice ele gritou alguma palavra que eu não consegui entender e me deu uma coronhada na cabeça e eu caí com o rosto no chão frio. Eu me sentia tonta, com enjoo... Achava que tinha morrido. E, pelo visto, ele também. Deu-me dois chutes de leve e eu permaneci deitada, imóvel. A ilusão da quase morte se dissipou no ar. Ele voltou para o carro, e por alguns segundos, eu tive esperanças de que ele iria embora. Mas foram realmente segundos. Ele voltou e começou a gritar para meu corpo prostrado:

“Você é uma abominação! Um ser imundo! A escória da sociedade! Eu tenho nojo de você! Eu tenho nojo! NOJO! Deus? Deus? Você pode me ouvir? O que eu fiz? Por que comigo? Eu não posso ser assim! Eu não quero ser assim! Eu achava que tudo mudaria depois de casar, mas não! Eu continuo com o mesmo desejo impuro da minha adolescência! Deus! Por quê? Eu não consigo lidar com isso! Por favor, Deus! E isso é culpa sua!”. Ao proferir as últimas palavras ele chutou minha costela esquerda como se fosse uma bola de futebol. Neste momento eu senti como se meus ossos tivessem virado areia. Não consegui gritar, nem soltar um gemido baixo... Só abri os olhos e abri minha boca. Um grito mudo tomou conta do meu ser. Então ele deu outro chute. E outro. E outro. E outro... E continuava a dizer que era minha culpa, que eu era imunda, que Deus não me perdoaria... E chutava. Ele percebeu que eu estava acordada. Abaixou, olhou nos meus olhos e cuspiu na minha cara. Neste momento eu me senti humilhada. Se a vida tem um fundo do posso, certamente aquele seria o meu. Sangrando, chorando, suja, com frio... O homem levantou-se e me puxou pelos cabelos, me arrastando pelo chão até perto do carro. E sua boca ainda continuava cheia de orações, mensagens de ódio e um choro contido. Ele jogou a arma no capô do carro e tentou me colocar de pé, mas eu não tinha forças. Quando meus pés tocaram o chão uma pontada atingiu minhas costelas e eu automaticamente voltei ao chão. Loucamente, ele tirou meus sapatos e colocou junto a arma. Num movimento rápido ele pegou minha bolsa que estava no banco do carro, se abaixou, arrancou meu vestido e pôs junto as demais coisas. Eu não conseguia falar, não conseguia me levantar, não conseguia respirar. Aquele seria mesmo meu fim? Eu sempre soube que a vida nas ruas era difícil e que eu estava propensa a violência... Mas isso? Eu nunca, em mil anos, imaginaria que veria esse circo logo após um programa. Se me dissessem que eu viveria isso eu, com certeza, iria rir da cara da pessoa. Mas eu estava ali, deitada nua no chão de um terreno sujo qualquer. Eu senti meus olhos pesando, meu corpo estava querendo ceder. Mas fui surpreendida com um peso em cima de mim. Meus olhos abriram-se rapidamente e eu o vi em cima de mim. Ele estava com meu vestido, meus saltos em seus pés e havia colocado o meu batom vermelho em seus lábios. Não conseguia acreditar... O que era aquilo? Por que ele estava usando minhas roupas? Aproximando-se do meu rosto outra vez ele sussurrou em meu ouvido: “Eu te desejo, te desejo ardentemente. Não por você parecer mulher, mas pelo pênis maravilhoso que você tem. Eu te desejo. Mas você é uma bichinha e eu não posso ser como você!”. Aquele homem vestido com minhas roupas levantou-se desajeitado, com a arma ainda em punho, deu três passos lentos e virou-se em minha direção. “NÃO POSSO SER COMO VOCÊ!”. E atirou. A bala atingiu minha barriga e o sangue escorreu por meu corpo nu. Logo em seguida outra bala atingiu minha perna e outra atingiu meu ombro. Não havia palavras que expressassem a dor que eu sentia naquele momento. Não dor física, eu não conseguia sentir nem um pingo de dor sequer vindo dos buracos abertos em minha pele. Só via sangue. Muito sangue. E eu ainda estava viva... Olhei em direção ao homem e ele estava entrando em seu carro. Com meu vestido em seu corpo, meu sapato em seus pés, minha bolsa apoiada em seu ombro, a arma em uma mão e um cigarro aceso em outra. Ele chorava. Chorava como uma criança perdida desesperada tentando encontrar sua mãe no meio da multidão do Pinto da Madrugada no bairro do Jaraguá. De repente ele solta uma gargalhada alta, tão alta que ecoou pela mata ao lado. Entrou no carro, jogou o cigarro pela janela e ligou a ignição. A luz dos faróis apontava para mim e o carro veio em minha direção. Foram menos de cinco segundos até as rodas passarem por cima do meu corpo e o carro desaparecer nas estradas. Três dias depois meu corpo, ou o que restou dele, foi encontrado pela polícia. Minha bolsa havia sido jogada há alguns metros de onde eu havia sido brutalmente humilhada e assassinada. Logo depois estavam estampados nos jornais: “Travesti é morto atropelado”. Na TV: “Pedro Gabriel da Costa, conhecido como Sofia, é encontrado morto nas proximidades de Rio Largo”. E nas ruas: “Vocês souberam daquele viado que se vestia de mulher que foi encontrado lá perto do aeroporto? Deve ter sido drogas, tudo maconheiro”.

Mesmo depois de ter tido meu orgulho derrubado, minha alma sugada e minha vida arrancada de mim, as pessoas não conseguiam me entender...

ATÉ QUANDO?

 
 
 

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